sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Aflição:


“Por que insistir nessa charada oca chamada vida?” Woody Allen

O sapato já gasto
A flor já pela metade
E o tédio
E o amor
Também?

Pintura: “Ouro Preto”, de Manezinho Araújo.

Raphael Vidigal

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mantra da Eternidade:


“Permite que volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.” Cecília Meireles


A última vez que a vi
Eu a vi depois
No leito de morte
Eu a vi depois no leito de morte
No leito de morte eu a vi

A última vez que a vi
Tinha os cabelos compridos
Eu a vi depois no leito de morte
Eu a vi depois
No leito de morte

A última vez que a vi
Tinha uma luz luzidia
As dores lhe pertenciam
Eu a vi depois
No leito de morte

A última vez que a vi
Tinha uma luz que encobria sombras
E os cabelos floresciam castanhos
E o rosa do seu vestido encantava o salão

A última vez que a vi foi sonho
Eu a vejo agora
Todas as noites
Todas as manhãs
Todo fim de tarde
Todo pôr do sol
Toda escuridão
Toda luz
Eu a vejo sempre

“Toda vez que um sino toca é porque um anjo ganhou asas” Frank Capra

Pintura: Obra do artista plástico Joseph Cornell, “Medici Princess”.

Raphael Vidigal

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Larga:


“asas de anjo enlameadas cobertas com a sujeira azul pálida do paraíso” Jack Kerouac

(Ai que dor larga!
Não adianta você dizer
- que está tudo bem
Eu vejo nos seus olhos
Os olhos são a fronteira da alma.)

Dói demais
Na negação implícita da sua boca
Que beija sem querer beijar
Nos gestos
Que tocam em meio à contenção
E no segredo dividido
Entre esses dois corações
Que um dia formam o mesmo.
Partido. Retalhado. Violado.

Raphael Vidigal

Pintura: Urutu, de Tarsila do Amaral.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Oração:


“nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.” Cecília Meireles

Harpa
Harpia
Farpa

Que Wagner possa adensar seus ouvidos
Que Strauss possa esparramar a vertigem em sua cama
E que à noite você possa dormir ao som de Chopin
Sob o relevo de Mozart

Harpa Harpia Flauta
Cravo Canela Doce

“As cores são a chave, os olhos o machado, a alma é o piano com as cordas” Kandinsky

Raphael Vidigal

Pintura: Moonlight, de William Turner.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Cartão para Alessandra:


Veio vontade por presente
Mais: d’ar a você
Mas eu só sei amarrar palavras
E desamarrá-las em seguida

Atravessando-se as geleiras
Amanheço dádiva de origem

Talvez só queira dizer: Amor

“como uma noz de vidro
que quebra na rocha
e por ali, em um trovão, entrou a luz” Pablo Neruda


Pintura: “Vaso de Flores”, de Vicente do Rego Monteiro.

Raphael Vidigal

domingo, 18 de setembro de 2011

Resumo da Ópera:


Qualquer desato já é um ato
Amar não é perdoar erros desculpáveis, mas os imperdoáveis

O que me falta não é raro encontrar
O que me consta é bem difícil de achar

O que me falta? amor
O que me sobra? Dor

Dor que eu tenho jamais irá se assemelhar, a qualquer outra
amor que me emburaca, ela guarda.

“Eu gosto de sentir as formas do seu corpo
Dos seus ossos
E de sentir o tremor firme e doce
De quando lhe beijo
E volto a beijar
E volto a beijar
E volto a beijar” e. e . cumings


Escultura: “Apollo e Daphne”, de Bernini.

Música: Ressaca, Yamandu Costa.

Raphael Vidigal

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Âmago:


“me dá
Tudo aquilo que
Não gostas em ti.
E eu farei com isso
Um prazer tão grande
- Mais lindo que as nuvens
Da alvorada clara!”Manuel Bandeira


No âmago do mundo
A dicotomia vida e morte
Há como falar da vida sem falar da morte?
E há morte sem um dia vida?
Um segundo
Um miligrama
Um milímetro
A pequenez abarca a solidariedade
Do que é sólido e inflexível
A vida não se permite sem alternativas
A morte não faz concessões para a vida
Ela finda
Dita fita linda viva morra

Raphael Vidigal

Pintura: Jeune Fille Se Defendant Contre L’amour, de Bouguereau.

Música: Lenda, de Arrigo Barnabé.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Naquela mesma tarde vazia havia um muito de amor:


“Sou brega e assumo. Gosto de palavras como ´ingratidão’.” Cazuza

Percebido que a gente consegue é se desmoronando.
Enfiando nossa faca completamente afiada no outro e se desfazendo.
Saindo de lá acuado, com o único recuo que nos é confortável.
O da experimentação imaterial, imoral e imutável.
O da compreensão supraterrena.
Da vida do outro na nossa vida nos modificando para além seja lá o que nos espere.
Já não existe movimento sem queda.
E que ele seja doce amargo sutil destemperado extremo sem coloquialidade sem restrição muitos dilemas defeitos deveres são seres humanos
sem sermos amor

Pintura: Agony, de Gorky.

Raphael Vidigal

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Correnteza:


Louco demônio
Selvagem
Flores róseas
Demolindo
Tosca melancolia

Lúgubres saudades
Cristais de lágrimas

“O canto sensato dos anjos se ergue do navio salvador: é o amor divino.” Rimbaud

Pintura: The Toilers of the Sea, de Albert Pinkham Ryder.

Raphael Vidigal

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Felicidade:


turva felicidade
essa que se agarra às ostras
esta que se agarra às algas
ainda assim espontânea
ainda assim clandestina

“me quebrando assim como uma flor que ao nascer mal suporta se erguer e parece quebrar-se.” Clarice Lispector

Pintura: obra do artista plástico Frans Krajcberg.

Raphael Vidigal

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Concretizando Nietzsche:


Em busca

Em torno

Adiante

Entorto

Entorno

Quando?

Meu tempo é

Ando

“Venho hoje porque hoje me convém. Acha todo aquele que vem para sempre.” Nietzsche

Pintura: “Permutações”, de Antonio Maluf.

Raphael Vidigal

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Magia:


tolo daquele que não reconhece a própria,
Imagem e semelhança

tolo daquele que não reconhece a própria,
Sua ignorância

A magia do tricô
Faz nascer um bem
Pelas mãos das linhas

Pelas linhas das mãos
Faz nascer uma previsão
O cigano descrente.

“Nos salões do sonho não há espelhos.” Mario Quintana

Pintura: de Henri Michaux, Plume.

Raphael Vidigal