sábado, 31 de julho de 2010

Brisa:


"Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Alessandra.”


Quando tudo aconteceu nosso mundo sentiu no peito.
E eu digo nosso porque há muito suas estrelas que formam as três marias pontilham meu céu laranja.
Nossas estrelas deitados no chão esparramando vodka com gatorade contando com alegria os defeitos.
Nosso céu laranja deitados na poltrona aconchegante de um lugar só nosso com fundo de cachoeira.
Nossos corpos deitados no sofá cama enquanto nossos sonhos se entrelaçavam, a água molhava e você cantava aquele poema pra mim.
Aquele poema da brisa que mesmo errado me pareceu o mais bonito.
Quando tudo aconteceu nosso mundo sentiu no peito.
Pensou-se em assassinatos, suicídio e casamento.
Pensou-se em tudo isso, mas principalmente em casamento casa família bebê amor.
Quando tudo aconteceu machucou.
Mas em nenhum instante nossas estrelas murcharam, nosso céu perdeu a cor, nossos olhos perderam o brilho de oásis encontrado em almas desertas.
Água límpida que só se encontra lá.
Nosso mundo.
Porque o nosso mundo é frágil e corajoso.
E se entrega e sangra e chora mesmo que seja muito difícil.
Entre nós acaba sendo o mais fácil.
E deixa-nos mais leves, mais limpos e prontos para seguir adiante com nosso amor até alcançar as estrelas que pontilham o céu laranja. O poema da brisa. O filme na pousada. A água do chuveiro.
Porque o nosso amor somos nós.
Risos, dores, beijos e planos.

E assim nos damos diariamente.

Raphael Vidigal

Foto: Charlie Chaplin, onde tudo começou.

“Mas teu prazer entende o meu.” Clarice Lispector

sábado, 24 de julho de 2010

Retrato:


"E se o telefone tocar diga que eu morri que estou mortinho da silva, estirado no chão da sala com o coração na mão. Diga que retirei meu coração com a mão – ele estava doendo demais.” Caio Fernando Abreu

Talvez tenha acreditado tanto na força das palavras que me desiludi com o poder dos atos.
A imagem é um retrato preso na memória.
São 7 horas da manhã e os ossos tremem mais do que os ponteiros do relógio: eles parecem imóveis, aflitos como eu por não poder fazer algo porque o tempo já passou.
Não é para tudo isso.
Mas eu sou assim mesmo: quando me afundo é pra valer e sempre respiro rápido.
Minutos suficientes para de vez em quando dizer que a vida é bonita com uma confiança ingênua.
Esmagado pela objetividade das coisas que nos deixa no mesmo lugar ou nos leva para depois dele.

Tarde cinza no meu coração.

Eu tentei, eu juro que eu tentei não te olhar tanto.
Mas no final de tudo isso uma força oculta me toca e me ergue: estou cada vez mais forte, cada vez mais desacreditado da vida.
Talvez eu não mereça ser feliz, e tenha nascido para o sofrimento que tanto admiro.
Então eu sigo em frente

E piso sangrando sobre os cacos de ontem à noite.

Raphael Vidigal

Pintura: Mulher com um gato, de Renoir.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Carta:


“Guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.” Caio Fernando Abreu

Hoje me deu isso, essa depressãozinha.
Quando eu escuto gente preconceituosa e moralista, me dá essa vontade de desistir da vida.
Estou numa fase muito Caio Fernando Abreu, muito Ana Cristina, que são as únicas pessoas/coisas que não me deprimem.
As pessoas ainda têm medo de Deus.
Talvez eu precise ficar mais leve.
Quem sabe no fim da vida, a gente consegue

beijos do seu



Raphael Vidigal

Pintura: Menina com as Espigas (Menina com Flores), de Renoir.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Sítio:


“Todos os dias que rompem com esplendor e terminam em tempestade.” Oscar Wilde

Hoje fiquei o dia inteiro em casa tentando escrever uma idéia que não saía da cabeça mas também não ia pro papel, pra lugar nenhum.
É tão ruim não ver as pessoas, não ver gente.
Me dá uma agonia, uma sensação de abandono.
Tristeza.
Me deu uma vontade louca de te ver.
Talvez pra lembrar que alguém gosta de mim.
Talvez pra lembrar que eu também posso ser feliz, ás vezes.
Não sei.
À toa.
Talvez isso seja a vida.
Essa inconformação indefinida,
sem rima.
Vai chegar um tempo em que o homem irá dizer com nostalgia: Antigamente o mundo era tão louco que as pessoas morriam.
Estou com medo de que você vá embora um dia, e eu enlouqueça.
"Você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado.” Caio Fernando Abreu
Estou sofrendo por antecedência.
Acho que amo meus amigos.
Mas tenho tanto medo.
Vai chegar um dia que será só eu e Deus.
Você está longe, imersa em seus pensamentos, dormindo.
Tenho saudade dos lugares que me levam até as pessoas.
Tenho saudade daquele sítio que durou um dia mas para mim foi toda a vida.
Longe das coisas, perto das pessoas.
Uma redescoberta da vida.
Essa coisa incompleta que é a vida.
Uma volta ao passado sem que eu tivesse ido.
As pessoas são boas.
Mas a morte, a morte é a sabedoria.
Acho que sou uma grande farsa.
Não sei como acabar uma frase, não sei como acaba a vida.
Que amanhã chegue logo, e que depois de amanhã não exista.

Raphael Vidigal

Pintura: La Promenade Sur La Falaise, de Monet.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Conforto:


“O tempo não tem pudor” Gilberto Gil

Tudo que é bom enjôo.
Tudo que é ruim costume.

É tão bom dormir com chuva.
É tão ruim amar com medo.

O medo faz com que as ausências sejam muito presentes em minha vida.

Eu nunca pensei que sofreria tanto com minha morte.

Raphael Vidigal

Pintura: El abrazo amoroso del universo, de Frida Kahlo.