segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quintal:


“Seul l’éphémère dure.” Eugène Ionesco

Ali naquele quintal fundo de tela terreno baldio
A diferença os une
O beijo no prego da ressurreição
Aberto como uma chaga

Pintura: “O beijo”, de Toulouse-Lautrec.

Raphael Vidigal

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Encontro:


“Não há vontade para nós que somos
fragmento do assombro,
não tem saída para este retorno
para si mesmo, à pedra de si mesmo,
já não existem mais estrelas que o mar.” Pablo Neruda


Estou indo ao encontro da morte
A não ser que algo me pegue pelo caminho,
algo que não sei dizer,
algo bonito que não procuro
Chegarei a tempo

Esse frio me alarma
E me joga debaixo das cobertas
para escutar Beethoven
Ó que bela necessidade de encontrar o abrigo iluminado
Pela sonoridade abstrata de um rio, um lago
O gênio absoluto posto sob os conflitos
Mais sopráveis
Os quais apenas Deus controla
E só o pequeno homem esnoba

Meu incompleto propõe
Continuidade
Com a tranqüilidade, quem sabe
Do que irá morrer

Pintura: “Celebration”, de Lee Krasner.

Raphael Vidigal

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ainda vou me... :


“Qualquer olho preenchido com a visão de mundo
não pode ver os atributos do outro mundo,
Qualquer olho preenchido com os atributos do outro mundo
ficaria privado da Beleza da Unidade.” Abdullah Ansari



Desde que você se foi
Que a idéia da morte

Desde que você se foi
Que a idéia da morte

Desde que você se foi
Que a idéia da morte



Desde que você se foi
Que a idéia da morte



Desde que você se foi
Que a idéia da morte



sossegue
Não há nada que eu faça que você não saiba
antecipadamente.

No campo magnético:

Mordendo para arrancar
Pedaços de carne
Que já não sabem mais ser boca
Ou simplesmente [beijó-miro] o amor

Um encantamento fugidio
E cáustico
No campo magnético
Do intocável

Raphael Vidigal

Pintura: “Portrait of the Infanta Margarita”, de Diego Velázquez.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Artimanha:


“Os poetas não terminam os poemas, eles os abandonam” Paul Valéry

Na minha loucura auspiciosa
Estou me contornando
Admita a fraqueza de suas linhas, penas e curvas
Você não vale mais que intenções dolorosas
E se bastam

Dói demais
Essa maneira covarde
Como quem amamos
vai-seembora

Demorei a perceber a artimanha de Deus
Que manda uns
pra levar outros, embora
como velhos cavalos
estejamos todos sobreavisados
avisto a mola
a propulsão

Nessa eu não caio mais
Nessa eu fiz escola
Não há perdão para a vida
Cuja pregação é a morte

Pintura: A Chave, de Jackson Pollock.

P.S.: Será a morte fim ou continuidade?


Raphael Vidigal

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Hermético:


“Eu não te darei carinho nem afeto
Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar, podes comer meu pão.” Lupicínio Rodrigues


A copa das árvores agasalha
Minha cabeça
E eu não gosto

Mas eu não posso fazer nada
Se o mel das abelhas me convém
E eu sou fácil

Qualquer um me lê
Qualquer um me vê
Eu sou fácil

Não há índios exterminados
Nem anjos descendo de estrelas coloridas
O suicídio ecoa em sinais distantes

São ecos cruzados, de um tempo sem consoante
Onde somente as vogais
Tinham voz tolerante

E há de me dizer hermético
Aquele que for ao mesmo
O brilho eco vazio de estrelas exterminadas
Na copa daquela árvore
Que nenhum cavalheiro assombra
E onde as abelhas
Já produzem mel
Para as mariposas fundamentais
Da história do ciclo geral
Do que se colocou chamar
Humanidade

Vale a pena que pena depende da tinta

E eu estou com vontade de coisas bonitas!

A copa das árvores
Me engole
E eu já não assumo só [Luiz melodia]

Raphael Vidigal

Imagem: Waly Salomão!