domingo, 7 de fevereiro de 2010

Banheiro:


Não consigo me concentrar em um só dia.
Lembro-me de ter sido à noite.
Enrolei-o em um papel higiênico e o joguei no lixo.
Antes disso, ainda foi possível sentir em meus dedos seu corpo à espera da morte.
Ele nem se mexeu.
Some e reaparece.
O que eu busco é aquela certeza de se saber melhor que eu.
Pacto de sangue.
Sempre clima.

Eu não quero voltar nunca mais naquele banheiro.

Raphael Vidigal

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Espelho:


Prometi voltar, mas não voltei.
Encostei-me à parede em canto a remoer minhas tragédias.
A desgraça tomava conta dos pulmões e eu não reagia.
Já não tinha forças.
Eu era aquela água morna do chuveiro que não esquenta e pinga confortante por mais que você precise ser queimado.
Uma água densa me molhava em sangue.
A morte me seduzia.
Pesada, doída.

Porque você sempre deixa um conflito antes de ir embora?

Raphael Vidigal

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Amor de morte entre duas vidas:


-eu ás vezes acho que já sofri demais cara.sabe essa coisa?as pessoas acham que eu tô sempre alegre, rindo...
e eu na maioria das vezes tô mal cara.mal com a vida, mal comigo...
eu ás vezes acho que o meu corpo se acostumou com a dor...
ás vezes acho que vou acabar me matando...

-...eu também.queria te pedir desculpas por esse meu silêncio alto que me ataca nas noites de domingo e nas manhãs de sábado,mas é que eu sinto uma verdade interior que me mata...

-tudo bem cara.eu gosto de estar só quando tenho esta opção.

-sabe quando um gosto azedo e com caroço te vem à boca?não é fácil quando a gente sabe que não tem escolha.





Raphael Vidigal

Pintura: Estrela Azul, de Joan Miró.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Violetas:


Todas as palavras que eu não falei.
Todo o ódio que eu guardei.

A mariposa,
eu vejo na mariposa,
a meia sobre o asfalto.
O sangue sujando o chão.

Eu só não acredito é num Deus que pune.

uma mariposa,
ela me mostrou que ele morre.

uma Mari posa,
ela me mostrou que Ele morre.

Eu só não acredito é num Deus que pune.

E o mais louco é isso: não há nada que eu quero fazer.
A gente já não quer.
Quem me olha assim, acredita que eu esteja confortável.
E a gente já não quer,
a gente nunca quer

você não é nem superficial,
você é cruel e você se apequena quando isso acontece nessas horas eu gosto de falar de sentimentos.
Ando com um sentimento roxo, não, violeta.

crianças vendendo brincos bijuterias,
chuva tilintando em nossos ouvidos.

Durma com os anjos
durma sem os anjos

Raphael Vidigal

Pintura: Galatea de las Esferas, de Salvador Dalí.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ana Cristina Cesar:


Minha palavra não é narrativa.
É sugestiva.
Palavras soltas ao mar.
E porquê o mar?
O mar é fundo, o mar é raso.
O mar tem sal, o mar tem ondas.
O mar afoga.
O amar.

O mais feliz é pensar assim: qualquer dia morremos todos.
Nada restará do riso lágrima sol do amor que arde abraço.
No máximo uma poesia ou uma foto digital.
“e amanhã não estarei mais aqui” Marcelo Nova
Um leve cheiro de suicídio me envolve.

Aquele homem na janela: será que é feliz?
Aquela criança que ri pra mim: será que é feliz?

Toda essa fragilidade, essa sexualidade complicada.

A alegria e a descontração escondiam uma alma carregada, confusa e viva.
Uma alma carregada, confusa e viva.
Morangos mofados.

O que te sobra em conteúdo te falta em forma.
Mesmo para mim as poses parecem óbvias.
“Flor e abismo. Flor é abismo." Caio Fernando Abreu
Depois vou escrever sobre isso
depois vou escrever sobre isso.

Um leve cheiro de suicídio me envolve.
Um cheiro de luz.

Raphael Vidigal