terça-feira, 24 de setembro de 2019

lapso


eu nunca entendi
e ela também nunca se explicou
por que levar-me àquele estado
por que deixar-me como deixou...

na noite da frondosa árvore,
despencou do galho uma flor...
eu a colhi feito um pássaro,
ela a abrigou no busto com calor...

dentro de seu busto ainda haverá
ao menos o cheiro daquela tarde?
se era primavera ou outono me esqueço...
o tempo do inverno aquela imagem congelou...

agora busco nessa imagem gasta
os olhos tornados foscos,
a boca sem nenhum langor...
o quê de pássaro, árvore e flor...

meu braço caça o atento lume, mas
não alcança o que se esquivou,
sequer o vento que o espalhou...
os lábios se calcificaram como gaiolas de osso...

fica entre nós esse segredo amargo
que é feito a morte para quem se foi
diante de sua inexorabilidade dramática
                                              eu só pergunto porque vivou estou...



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Matisse. 

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