segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Túmulo


Sempre pertencemos um ao outro.
Como é do besouro o olho cego.
Assim caminha a anta e come terra.
E o lobo-guará sai para caçar sem lanterna.
Nós nos enxergamos não no corpo.
Mas através da sombra na caverna.


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun. 

A volta dos que não foram


Esse sentimento grego,
Não é narcísico...
Nem é católico (!)

Esse sentimento grego:
 – Não veio de Hércules –
[filho de Zeus]
(nem de Nostradamus)
O falso.

 “Esse sentimento grego”
É a vontade de tomar um sal de fruta (?)


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Sonia Gechtoff.

pisque


vasta obra
vista boba
nada se compara
a ti
sem
roupa



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Helen Frankenthaler. 

Perecer


Ao se saber perecível
Estica o braço de vidro
O busto de arroz
A fome em litígio.

Ao se saber perecível
Está por um triz
O pó do osso
A penugem caída.

Perecível como mosca
Por sobre o esterco
E a origem da vida.

Ausente, caminha
Desaparece a cada
Linha – de um leito intransponível. 


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Remedios Varo.  

Pregressa


A plenitude dura o tempo do consolo.
Consolamo-nos porque a vida passa.
Consolamo-nos porque a morte vem
Para todos
E não escolhe alguns
Apenas
Consolamo-nos porque existe a fome
O medo se impõe
E sorrateiro
Desguia por debaixo
Dos narizes.
Consolamo-nos porque existe a sede.
Consolamo-nos porque existe o tempo
Do relógio
Na parede
Uma aranha
Tece a teia
Sem o medo
De amanhã
Pois haverá um dia
Um sol e o café quente
Ou então terá a terra nos colhido as maçãs
Sobre um rosto ainda imberbe.
Consolamo-nos porque apesar da tosse
E os ossos do esqueleto em nosso cerne
Só vemos os sinais de uma pregressa dor
Serena.
Consola-te um balde de água fria e um busto cheio:
 – por onde jorra o leite ainda fresco –
ainda pleno



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Sofonisba Anguissola.