segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Pregressa


A plenitude dura o tempo do consolo.
Consolamo-nos porque a vida passa.
Consolamo-nos porque a morte vem
Para todos
E não escolhe alguns
Apenas
Consolamo-nos porque existe a fome
O medo se impõe
E sorrateiro
Desguia por debaixo
Dos narizes.
Consolamo-nos porque existe a sede.
Consolamo-nos porque existe o tempo
Do relógio
Na parede
Uma aranha
Tece a teia
Sem o medo
De amanhã
Pois haverá um dia
Um sol e o café quente
Ou então terá a terra nos colhido as maçãs
Sobre um rosto ainda imberbe.
Consolamo-nos porque apesar da tosse
E os ossos do esqueleto em nosso cerne
Só vemos os sinais de uma pregressa dor
Serena.
Consola-te um balde de água fria e um busto cheio:
 – por onde jorra o leite ainda fresco –
ainda pleno



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Sofonisba Anguissola. 

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