terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Pijama


Vesti um samba canção
A fim de escrever um soneto.
Não deu certo fui de lingerie
Para compor uma balada sangrenta.
Já de lycra combinei um listrado
Mas foi grande o meu constrangimento.
O pijama dos poetas
é uma cueca e um sutiã de renda.

Raphael Vidigal

Imagem: Caligrafia de Denise Lach.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Precariedade


Precário.
Um homem precário.
Uma folha de mármore.
E uma coruja.

Um cacto.
Um cacto de gente.
Um cacho de uva.
E uma alcachofra.

Sufrágio.
Uma palavra de lente.
E deus no fundo.
No fundo deus da escória.


Precário.


Raphael Vidigal

Charge: obra de Henfil.  

Coisas impossíveis de se praticar


Pegar no sono.
Espetar nuvem.
Dependurar cor no cabide.
Tropeçar na perna curta da mentira.
Enxergar as sete cabeças do bicho.
Tomar chá de cadeira.
Colocar o Rei na barriga.
Ser unha de fome.
Esgarçar a própria língua.

Só para as crianças e Manoel de Barros.
E alguns matreiros anônimos.

Raphael Vidigal

Desenho: obra de Millôr.  

Receita para pegar no sono


Fique quieto.
Encontre uma posição de conforto.
Não pense.
Mantenha os olhos, de preferência, fechados.
Quando o bichano der na mureta puxe o danado pela sandália!


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Miró. 

Tempo


Escrevo hoje um português arcaico.
Sem arabesco.
Mas um mosaico.
Um português de ultimato, de fim de tarde.
Um português de Fernando.
E de Ricardo.
Um português que é de Campos. E de caiado.
Um português mal passado.
E fedorento.
Peço perdão aos monarcas.
Da língua pátria.
Sou hoje um refugiado.

Um sanfoneiro.

Raphael Vidigal

Pintura: obra de William Turner.