quinta-feira, 9 de abril de 2009

Fé:


A gente só percebe que Deus existe quando não precisa mais dele.
Chegando em casa, madrugada, após mais uma noite num bar, com as mesmas pessoas, a mesma cerveja, o mesmo cansaço e a vida.
“Havia tristeza, orgulho e audácia.” Clarice Lispector.
É preciso. Dor e solidão.
A alegria plena, extasiada, completa, que enche bochechas e dentes, que incha, sem o menor brilho, não me interessa.
Vive perto da ignorância vazia.
Não a ignorância sutil, inocente, que nos surpreende. Mas a que faz o caminho dos que se perderam na submissão.
Aquela que esconde de si mesma os sentimentos e orgulhos. E do mundo.
É preciso. Saber rir. Fazer rir. Com humor quente e sorriso simples.
Sem a frigidez de quem ri de tudo sem esquentar a garganta.
É preciso. Dar o nó. No sapato, na gravata e no paletó. Mas principalmente na garganta.
Quem não tem nó na garganta, com nada, se espanta.
É preciso. O canto sôfrego de amor e desejo. Esbarrando nas quinas.
“Quem é que tem pudor quando gosta?” Alaíde, Vestida de Noiva. Nelson Rodrigues.
O homem É o lobo do homem.
Se faz triste e se faz feliz.
Se faz velho e se faz menino.
Faz carroça e faz carruagem.
Faz tatuagem e faz engrenagem.
Faz-se vida e faz-se morte.
A gente, só percebe...
Que Deus existe... impreciso.
O homem é o Deus do homem.
Fé.


Raphael Vidigal

sexta-feira, 20 de março de 2009

Crimes Passionais:




Dizem no Brasil que a política rouba, a polícia tortura e o aluno mata aula. Que as leis não pegam e que o maço de cigarros mais vendido é o de Gérson.


Ainda assim o crime mais cometido no país é o que se comete por amor, como aconteceu comigo.



Me apaixonei pela professora, como um filme de Lolita às avessas.
Ela era uma mulher de estatura mediana, cabelos sempre ao vento e aquele olhar que engana.
Os óculos cor de face acentuavam suas curvas, seu enlace com o mundo lá fora.
Seu corpo Maquiavel de mulher má lembrava o romance “O Príncipe”.
Seus fins justificavam o meio, em que vivia.



Era um amor maravilhoso, maravilhado, perfeito, e como todo amor perfeito era Romeu e Julieta, queijo e goiabada, e era por fim Noel Rosa, profetizando o fim que Nostradamus não viu.
Era Shakespeare encarnado em Paulo Coelho.



E quando me dei conta dessa impossibilidade mais que Platônica (eu ainda não tinha idade para ler Platão, e por isso demorei a perceber) resolvi começar a ler coisas sobre aquele ser.
Logo em seguida segui o conselho de Neruda, fechei os livros e fui.



Não demorei muito a concluir que só havia uma maneira deu me declarar àquela força da natureza humana, aquela beleza sem nenhuma gana.



Tracei um plano para que pudéssemos nos encontrar a sós, sem nenhuma outra interferência cotidiana.
Descobri seu endereço, seus horários, compromissos, mandatários e abismos. Me apaixonava cada vez mais.
Chegou a data limite, eu havia alcançado o topo do meu amor por ela.



Encontramo-nos frente a frente, na porta de sua casa, Lolito e sua donzela.
Me convidei para entrar, ela chegou a estranhar, vi em sua olheira nervosa que chegou a pensar em alguma estratégia para se livrar de mim.



Acabei por vencê-la e entrei pela janela.
Ela já estava à espera, deitada na cama, aberta.
Dei-lhe um tiro certeiro e a matei.



Mas antes reservei-lhe um último momento de puro deleite e prazer, apanhei o campo de centeio e filosofei: “Todo homem mata aquilo que ama”.
Oscar Wilde dava pulos sem saber por que, no cemitério.



Eu matei, e mataria de novo.
Pois é, meu Dostoiévski, o crime é um castigo.
Jamais irei esquecer o nome dela, Digníssima Professora de Ética, Moral e Filosofia.



Naquele instante, eu havia crescido.
E virava mito, minto...

Raphael Vidigal

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Par Perfeito:


Meu par perfeito, só para começar, precisa de muitos defeitos, no mínimo uns quatrocentos.

Meu par perfeito, em segundo lugar, há de brigar comigo, e se indignar, afinal se não notar os meus “poucos” defeitos, sinal de que não me vê direito.

Meu par perfeito, em terceiro lugar, precisa de várias manias, ter tiques de se irritar e blá blá blá, senão não me conquistará.

Meu par perfeito, quarto lugar, não pode jamais esbanjar: perfeição, confiança e honestidade, caso contrário, logo de cara não irei confiar.

Meu par perfeito, como qualquer outro par, há de ter o que esconder, e sinceramente, não é tudo que quero saber.

Em conversa de surdo-mundo, quase ninguém crê.

Meu par perfeito, quinto lugar, precisa imprecisamente precisar, minha auto-ajuda e proteção, sendo eu IBAMA ele é leão.

Meu par perfeito, pra finalizar, tem que ter o cérebro maior que a barriga, ou então...lombriga!

Raphael Vidigal

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Paz: debaixo do céu e da terra.


Diariamente jovens são presos no Morro e estampam a capa de jornais por posse de drogas ou crimes mais ilegais. Morro geográfico, conhecido como favela ou aglomerado, e morro que dá nome à causa.

Jovens estudantes de classe média a alta que às vezes cursam Odontologia, outros Gestão Ambiental, e talvez estivessem fazendo alguma pesquisa para a faculdade ligada ás ervas provenientes do seio da Mãe Natureza.

Capturados pela Polícia prestam depoimento e são liberados.

E aí a sociedade se indigna, e pergunta, onde mora a justiça nesse país?

Sob a voga da grife Tropa de Elite concebe que tais marginaizinhos, escória da sociedade, aliados do tráfico, merecem, no mínimo, ter os rostos esfregados contra o sangue, os corpos surrados e torturados, enfim, aprendam com a única didática que ainda funciona, a da colher de pau, ou mais sofisticadamente, justiça com as próprias mãos.

A exemplo dos heróis da Marvel, Capitão Nascimento, El Justiciero (tcha tcha tcha, como diriam Os Mutantes) das telonas veio ao mundo para cumprir uma sina messiânica e fazer nascer de novo os “cidadão meliante”, honrando seu sobrenome.
Clamando por paz, debaixo do céu e da terra, El gran ídolo da garotada já faz seus primeiros discípulos, intolerantes e despreparados.
O menino João Roberto, de 3 anos, foi assassinado hoje, mais uma vez.
P.S.: Como aconselha Millôr, esse título se trata de uma (ironia!), entre parênteses, é claro.
Raphael Vidigal

sábado, 25 de outubro de 2008

O Óbvio Ululante:


Nelson Rodrigues foi, a vida inteira,um misto entre o sagrado e o profano. Foi tarado e santo, gênio e louco, revolucionário e reacionário, e por fim ninguém melhor do que ele próprio para defini-lo: foi um anjo pornográfico.

Suas peças e crônicas nada mais são do que o retrato dele próprio e do que o cercava e moldurava.Como todo artista, sua obra está completamente contaminada dele mesmo, da flor da pele ao pó do osso (como diria Caetano Veloso).

A complexidade de Nelson Rodrigues, suas peças, seu jornalismo anti-idiota da objetividade está intimamente ligada ao seu temperamento controverso e polêmico, e daí vem toda a sua riqueza.

Pois Nelson Rodrigues foi um autor que sempre desprezou o maniqueísmo católico e posteriormente comercial, embora ele mesmo carregasse no pescoço uma cruz e quisesse ser reconhecido pelos grandes veículos, intelectuais e público.
Embora fosse adepto de uma boa roda de amigos jogando conversa fora e fumante crônico jamais colocou uma gota de álcool na boca, e a boemia não fazia seu estilo.

Teve diversas mulheres, vários casamentos, muitos filhos, e era devoto incurável do amor eterno.

Escrevia sobre estupro, incesto, adultério,e se entregava de corpo e alma quando conhecia a nova mulher amada, que idolatrava com cartas,presentes e flores e sabia e dizia que todas elas gostavam de apanhar.

Mas com uma personalidade como a sua não poderia ser diferente. Nelson Rodrigues era nada mais do que um passional ilustre, capaz das mais belas e ternas declarações de amor e dos maiores insultos e desaforos, indo de um para o outro em questão de milisegundos.

E embora o tema de suas peças fosse uma constante, era totalmente imprevisível.Ninguém jamais sabia o que esperar de Nelson Rodrigues, a não ser algo grotesco e genial.
Mais do que o exagero presente em tudo o que ele escrevia, o escracho, o deboche, a ironia, Nelson Rodrigues trabalhava, comia, e vivia movido por um motivo único e insaciável, a paixão.

A despeito dos adeptos da objetividade que se apoderavam agora do cenário jornalístico brasileiro Nelson carinhosamente os classificava de idiotas e seguia assistindo a espetaculares vitórias de seu Fluminense por 0x2 contra o Botafogo, a crimes já solucionados e cercados por mistério e suspense, a fatos corriqueiros da vida humana que eram comparáveis a uma ópera na qual continuava a se gritar "Bravo" horas, dias, meses depois de seu encerramento.

Pois a vida humana nunca foi tão interessante quanto a criatividade de Nelson e jamais alcançaria um grau tão supremo de beleza e genialidade quanto a que a sua imaginação produzia.

Fraco, adúltero, incestuoso, monstruoso, criminoso, o lixo humano que se estabelecia na realidade e nas peças de Nelson era tão pequeno quanto o sentimento de querer tratar os fatos da vida humana de forma objetiva, sendo escritos por uma outra vida humana, presa e parte presente do universo a ser descrito.

Nelson Rodrigues desprezou eternamente essa tentativa de se abster da parcialidade, mesmo porque não conseguiria, nem ele, nem qualquer idiota com esse pensamento.

Porque acima de tudo, repito, a obra do autor estará sempre contaminada por ele, e segundo porque Nelson era um apaixonado constante, que tinha a sua ótica de ficcionista para tudo, e em todo canto enxergava um buraco de fechadura para espiar, mas era acima de tudo um amoroso, e como "O amoroso é sincero até quando mente", está perdoado por todas as invencionices que espalhou por suas crônicas e textos, no fundo ele estava apenas nos mostrando o "óbvio ululante".
Raphael Vidigal