sexta-feira, 30 de novembro de 2018

centopeia



o corpo da palavra
            respira, engasga,

diante de uma paráfrase
por baixo duma sintaxe

            o corpo
                da
            palavra

geme...
                        goza!

quando vê uma hipérbole
ao se deparar com retóricas

            o corpo da
            palavra
            espia
            por dentro
da saia, do vestido das
                                               metonímias,
                                               anáforas, e
                                               metáforas...

                                                           o corpo
da palavra
                                   sacode as ancas
            ao longo de toda prosopopeia, onomatopeia, zeugma

                        a palavra do corpo,
                        por vezes elipsa
                        noutras alitera
                                   é sempre um paradoxo
            se onde começa o polissíndeto
de fato a sinestesia opera

            a gradação do corpo da palavra
                        depende de ironia,
                                   sarcasmo,
                                      e síntese
(dada tal catacrese)

o corpo da palavra
é um pleonasmo e

            sem figura de linguagem: é a alma no sentido literário




Raphael Vidigal

Pintura: obra de Joan Miró.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Alvorada



para sempre serei teu menino,
colo de mãe é como o vinho
com o tempo só se fortifica...

a gente fica velho,
mas não deixa de estar ligado
pelo umbigo!



Raphael Vidigal

Imagem: Arquivo pessoal.

Plenilúnio



deixei uma a uma
todas as minhas esperanças
a primeira foi em criança
tinha lá meus cinco anos
e uma farpa me entrou no pé
entendi como é ruim estar desprotegido
depois, já adolescente,
um marimbondo me picou o dedo,
então compreendi o palor do medo
a juventude foi mais dispersiva
perdi o amor
perdi amigos
perdi as minhas ilusões
como adulto perdi o desejo
e agora,
que observo a lua cheia
em plenilúnio no mês de novembro
percebo que perdi
o tempo




Raphael Vidigal

Pintura: obra de Van Gogh.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Lixo



poesia é chover no molhado.
prosa é tirar o cavalinho da chuva.
o resto são lágrimas de crocodilo...



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Paul Klee.

Hangar



Não há mais tempo para covardias

chuva
no
meu
umbigo
logo
será
granizo

no coração
dos indecisos

Parto-me em direção ao cataclisma

            o romper da aurora me trucida




Raphael Vidigal

Pintura: obra de Francis Bacon.