segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Nau



Imobilizado pelo tempo.
Carrega um certo tédio
na voz.
Querer culpar outro
ser humano igualmente
frágil para justificar
nossas cruzes?

A poça causada
pela chuva
recebe cada gota
preta feito óleo...

Uma a uma
elas adensam a poça
até se tornarem
nós



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Gauguin.

neblina



uma esfera
bate na outra
e permanece
vibrando
escorre a areia
na ampulheta
o ponteiro da
bússola aponta
enquanto o meu
cérebro entende
tudo o rosto no
espelho pergunta:
onde está deus
quando morre
uma criança?
onde está deus
quando o amor
acaba? o que é
deus quando a
saudade avança?
uma esfera bate
na outra
e continua
vibrando
escorre a
areia na
ampulheta
enquanto
a bússola
aponta



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Gauguin.

Penumbra



Eu não compreendo a vida,
e isso me é perturbador.
A gente vive com uma certa
Ilusão
de que a morte nos trará
respostas.
Mas e se não trouxer?
E se a gente morre,
tem consciência de
que está morto...
e continua sem
compreender?
Talvez um passarinho
Venha beijar com o seu
bico o seio da minha
angústia.
Por quanto
e só,
eu continuo, vadio, a
trocar as Minúsculas
pelas maiúsculas, e
a esperar uma
penumbra doce.



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Gauguin.

Símio



Por uma realidade
mais Utópica
e um pensar
menos arcaico
Deixai pra trás
o obstáculo e
abraçai o Orangotango



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Gauguin.

Nascimento



romper a casca do sonho,
do primeiro ao último olho
arreganhar a mandíbula
até o sol estar roxo...

com a perna ainda bamba...
lentamente a placenta
se desgruda entre piolhos...
esticar ao umbigo do medo

as derradeiras vergonhas,
durante as preces
ser implacável como
um coice de búfalo

e, quando finalmente nu,
aceitar a terra
sobre a carne podre
e os ossos moles



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Matisse.