quinta-feira, 28 de julho de 2016

Farpas


Esta desgastada e arrebentada palavra,
Feita de pus, gangrena, pena de urubu,
Sem direito a esparadrapo, lubrificante,
Mercúrio. Esta palavra nas suas últimas,
Agoniza em praça pública. No leito de
Morte. Esta palavra aos pedaços, aos
Barrancos, nos trancos, não pega, não
Se move, já não tem pernas e nem tem
Braços. Esta palavra sem muleta, sem
Voz, sem olfato. Esta palavra não cheira,
Sem paladar, sem tato. Natimorto. Esta
Palavra, ancorada por fios, seixos, retratos,
Mantém-se à espreita, na memória, árdua,
Embora há muito já seja defunta, há muito
Não seja lembrada. Pois não existe, esta
Palavra desgastada. Arrebentada. Fraca.
Calçada por cruzes, pregada em cartazes,
Anunciando o fim do mundo, fim dos amores,
A suprema palavra que não quer ser calada: fala.



Raphael Vidigal

Imagem: escultura "Bichos" de Lygia Clark. 

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