domingo, 26 de abril de 2009

Surreal


O vento continua a girar. O moinho.
Esquizofrênico, Dom Quixote pede vinho.
Dionísio e Sua Pança o acompanham.

Estes homens loucos!
Os loucos! Terapeutas do tesão, eu diria.
E me pergunto: até que ponto a consciência pode ser saudável?

Pensar por vezes cansa. Pode ser que doa. A anestesia nem sempre é barata.
“Os ignorantes são mais felizes, eles não sabem...”
Cazuza já sabia. Ombra mai fu. Jamais a sombra.
A vida é uma ópera transviada.

Mas e A Dama das Camélias? A famosa Dama das Camélias! Quem seria?
Guardo comigo o palpite.

Vida é diferente de viver.
A Morte, somente Ela, nos faz viver.
O eterno retorno à espreita.

Cristo, César, Nietzsche fazem a colheita.
E eu aqui sentado, nesse Banco de Jardim, de cima de um muro, contando as araras, onças, peixes, mico-leão e os burros! São inúmeros!

Ó que bela paisagem!

Como maçã, escuto a cobra, rezo por Adão e Eva.
Cassandra Rios sofreria de pudor em pêlo ao ver isso!

Oxalá Mãe Natureza!
O Éden desse Jardim Ama o Pai.

São os discípulos de Charles Darwin : Ser ou não ser, Reproduzir ou Repor prazer? Não há questão.
Ó cadeia alimentar, quem te conhece que te compres.

Você, com sua caderneta, nos ensina a fazer. A sermos úteis.
Desempenhando nossas funções com eficiência, deixando um bom exemplo para os que vierem.

Que belo legado para a posteridade.
O eterno retorno, o eterno retorno, maldição...!

A arte é uma coisa inútil! Pomposa, porém inútil.

Arte é estética (ou estetização) do conteúdo ou não-conteúdo.

Pode ser A Vida. La Traviata.

Sentir-se útil é ilusão.
Vem da paixão pela fraqueza, desejo de proteção.
Sendo assim somos cobertores. De mendigo.

A cabeça ou os pés.

A Arte!

“Há duas maneiras de se desprezá-la : odiando-a ou então amando-a moderadamente.”
Oscar Wilde já sabia, e ria!

Arte! “Pra quê mentir? Se tu sabes que eu te quero. Apesar de ser traído. Pelo teu ódio sincero. Ou por teu amor fingido.”
Noel Rosa, pois então eu te digo, pegando emprestada a frase de um amigo:

“A finalidade do mentiroso é simplesmente fascinar, deliciar, proporcionar regozijo.”
Você de novo, Oscar Wilde!

“A arte é uma mentira que diz a verdade”, pincelou em cubo Pablo Picasso.
Jean Cocteau, do poeta, falou o mesmo.

Afinal, Wilde me respondeu, “um homem que não tem pensamentos individuais é um homem que não pensa.”

E o trabalho o dignifica.

Minha misantropia é MEU individualismo.

Mas qual não foi a minha surpresa quando percebi, de repente, o individualismo coletivo!
Salvador Dalí ficaria de queixo caído!

Surreal.

Raphael Vidigal
Imagem: "Still life with old shoes" ,1937, do pintor surrealista Joan Miró.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Fé:


A gente só percebe que Deus existe quando não precisa mais dele.
Chegando em casa, madrugada, após mais uma noite num bar, com as mesmas pessoas, a mesma cerveja, o mesmo cansaço e a vida.
“Havia tristeza, orgulho e audácia.” Clarice Lispector.
É preciso. Dor e solidão.
A alegria plena, extasiada, completa, que enche bochechas e dentes, que incha, sem o menor brilho, não me interessa.
Vive perto da ignorância vazia.
Não a ignorância sutil, inocente, que nos surpreende. Mas a que faz o caminho dos que se perderam na submissão.
Aquela que esconde de si mesma os sentimentos e orgulhos. E do mundo.
É preciso. Saber rir. Fazer rir. Com humor quente e sorriso simples.
Sem a frigidez de quem ri de tudo sem esquentar a garganta.
É preciso. Dar o nó. No sapato, na gravata e no paletó. Mas principalmente na garganta.
Quem não tem nó na garganta, com nada, se espanta.
É preciso. O canto sôfrego de amor e desejo. Esbarrando nas quinas.
“Quem é que tem pudor quando gosta?” Alaíde, Vestida de Noiva. Nelson Rodrigues.
O homem É o lobo do homem.
Se faz triste e se faz feliz.
Se faz velho e se faz menino.
Faz carroça e faz carruagem.
Faz tatuagem e faz engrenagem.
Faz-se vida e faz-se morte.
A gente, só percebe...
Que Deus existe... impreciso.
O homem é o Deus do homem.
Fé.


Raphael Vidigal