terça-feira, 17 de março de 2020

crença



desde que o
mundo é mundo
tudo muda
desde a muda
até a bermuda
nada fica incólume
nem a pedra
tão pouco o óvni
só deus permanece
invisível
embora se acomode
cada vez mais dentro
do nosso umbigo



Raphael Vidigal

Imagem: obra de Cellini.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Âncora



Tendo vivido pouco ou muito
Quando a vida acaba é um mal profundo
Que se abate sobre os que ficaram
Uma escuridão estoica
Como a lápide que cobre a cova
Quando a vida acaba
A dor se instala
Nada é capaz de deter
A corrente de sofrimento e lágrimas
Nem os abraços solidários
Nem as condolências
Transmitidas através de palavras
Tampouco a coroa de flores
Que dali a um tempo também
Estarão mortas
Quando a vida acaba
Tudo é silêncio, vazio
E a esperança de um destino frágil



Raphael Vidigal

Imagem: obra de Miguel Paiva.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

arabesco



só ando em turba
burca não me aprisiona
circunspecto como uma múmia
encaro a morte com olhos de insônia



Raphael Vidigal

Desenho: obra de Toulouse-Lautrec

varanda



quando desce a noite,
encontra amparo nas
lantejoulas da infância...

lá, avista uma varanda,
onde cata pedacinhos
brilhantes dum carnaval...

todos estão vestidos de palhaços,
e, com uma linda expressão,
que agora se faz congelada
e para sempre alegre,

se destaca uma esperança de sorriso
desavergonhado, com os cabelos
desembaraçados e um corpo miúdo
de criança todo cravado de lantejoulas...



Raphael Vidigal

Imagem: obra de Miguel Gontijo.