terça-feira, 21 de agosto de 2018

Périplo



esqueçamo-nos
do agora
fiquemos somente
com o passado...

onde tudo é
como um
sonho...?

onde tudo
é rosa
e cravo...?!

rasgue
o primeiro manto...
deixe vir a flor
do estábulo!

monte sobre o cavalo
como quem não tivesse nada.



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Picasso.

Legado



Não quero admitir nada
Nem o banho de torneira
Tampouco a barriga d’água

Não quero admitir o choro
Em cântaros
O lenga-lenga da língua
Sem papas

Detesto a procissão em busca
Do justo
Ainda assim, exclamo:
 – Não tenho a admitir mais que pecados...!

Não quero admitir a traição
A autobiografia maculada
Prefiro estar calado no meu canto
Assim engano a deus e ao diabo...

Eximo-me da perícia em
Pó de morto
Anulo a sentença procrastinatória
Nada no meu corpo está ao alcance

Igual a própria alma –
sou o que
esconde



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Van Gogh.

Tirania



Preciso de um ser magnânimo e urgente
Maior do que Deus, pior do que Stalin
que me devolva a crença no absoluto.



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Frida Kahlo.

Dinossauro


obsoleto
                                               anacrônico
                                   paleolítico
                                                           antiquado
                                               inútil
                                  

                                   um coração de carne e osso


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Paul Klee. 

Vinho



vento de chuva
na curva da tua
cintura, vento
desnuda a
casca vinho
da tua uva que
desce, escorre
na boca, por
entre os gânglios
pulmonares, e
o peito molhado
de chuva, de uva
desnuda o caminho
ao teu paraíso de Baco
a parreira encharcada
na curva da tua cintura
é um pleonasmo, a chuva
molhada, desnuda
a pele tão branca
marcada de vinho
e teus cachos
deságuam
na baba
do macho

Raphael Vidigal

Pintura: obra de Artemisia Gentileschi.