Se eu
simplesmente não me importasse
Seria fácil –
ignorar o retrato,
Ignorar o teu
beijo – em outro rosto,
Em outra
boca.
Ignorar o
domínio
Desse teu
corpo
Que em mim se
extingue,
E a outro
entrega
Os teus
sabores.
Se eu
simplesmente não me importasse
Não haveria
retrato – nenhuma cinza
Sobre o que
houve.
Nenhuma lágrima
– sobre a moldura.
Ignorava o
colírio,
Não acudia ao
sonífero,
Pra me
entregar aos mistérios
Da noite
longa – em que te ouço.
Porém não
tenho controle,
Sobre teu
corpo,
Sobre o que
sinto
Nem tua boca
Que em mim
aflige
Dores e
cruzes,
Pois já não coincidem
– os nossos sonhos,
Pois neste
espelho falido – sou só e louco.
(Que a mágoa
é fruta com vida
Do amor já
morto).
Se eu
simplesmente não me importasse
Não haveria
poema.
Talvez
houvesse cinismo,
O tédio,
enfim, com teu bastão,
Arrefecesse
as montanhas,
As dunas, as
transparências,
Os mares em
que nos molhamos,
As estrelas de
nossos delírios,
E então se
acalentaria,
Um pássaro morno,
Como
termômetro,
E mediria o
suor, de tempos inconstantes.
E esse
pássaro vive, mas está morto...
Raphael Vidigal
Pintura: Obra de Albert Pinkham Ryder.