Não posso fingir ser quem não sou.
Até porque me entrega a máscara, me
entregam os óculos e o cobertor,
Não posso fingir ser quem não sou, até
porque estou cravado na minha carteira de motorista.
Antes de tudo, porque, ao acordar,
identifico-me no espelho.
E percebo o medo, a coragem, a verruga
e as sobrancelhas.
Não posso fingir ser quem não sou
porque esperneiam dúvidas sobre as sobrancelhas.
E ao identificar-me assusto comigo!
Nem sei se eu existo.
Não posso fingir ser quem não sou
porque tenho compromissos,
Porque é preciso cumprir o horário,
seguir o itinerário,
Escovar os dentes.
É preciso fazer valer minha rotina.
Que é minha.
Por ela me identifico.
Primeiro o pão, depois o leite, pouco
depois ir ao banheiro.
Ligar o chuveiro, temperar a água.
Demorar-me em pensamentos sobre quem
veio primeiro,
Cristóvão Colombo ou os índios,
O ovo ou a galinha.
Não posso fingir ser quem não sou,
Embora muito ator: De mim mesmo.
Raphael Vidigal
Escultura: obra de Leda Gontijo.
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