segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Mapa

 


Nunca dê por morto

um bicho que ainda vive

tenha ele as esperanças

destroçadas como a América Latina

ou o crânio esmagado como um indígena

decepadas as duas pernas e os braços

presos numa árvore que balouça no inverno

rígido ou ensopado numa poça de sangue

como um reles mosquito com as asas ao

alcance das patas de um urso tibetano faminto

os olhos abertos porém indiferentes e vazios

a boca branca de um mingau empapado

e as narinas fechadas por tocos de algodões

embebidos numa substância química

nunca dê por morto um bicho que ainda vive

ao menor relance no ínfimo da agulha que pinga

a gota pela seringa os olhos espasmam a boca

baba os braços desprendem as pernas tremulam

a farinha do crânio se ajunta feito o rabo à lagartixa

e o mosquito injeta no urso tibetano faminto o soro

da esperança que destroçou o sonho da América Latina


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Caravaggio. 

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