terça-feira, 19 de novembro de 2019

Melado



Tenho o espírito acordado e doce,
pronto para uma primavera mansa.
Deitado sobre as ramagens da praça,
as folhas me enovelam numa valsa.

As fibras coagulam em seu compasso.
Os pés estão descalços e as mãos
alcançam algo inalcançável,
 então suspira em meio a um branco

cor de açúcar sem reparos.
Alargam-me os ombros e as cócegas
se espalham pelo corpo, começam
pela alma e enfim se encontram.

Contraem-se em espasmos.
Os músculos dos óvulos.
As convulsões do parto.

O mel que era das flores
espirra uma criança mole e fraca.
Agora tens um novo e fugaz refúgio:
O mundo e seus odores

e nada
deterá o seu naufrágio.



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Picasso.

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