segunda-feira, 17 de junho de 2019

Prenhe



A palavra que eu procuro
não está em lugar nenhum,
nem num canto obscuro,
tampouco no céu azul.

A palavra me escapa
e escorrega pela gordura,
nada nas franjas da onda
e nas tripas da vaguidão.

A palavra está arredia.
E eu, por ela, magnetizado.
Sei do seu rosto aquilino,
e do olhar enviesado.

A palavra assim me tortura
como se feita de prego e aço
com sua impavidez monástica
ela se refugia nos escombros

de alguma antiga civilização
devastada. Quando não havia
palavra. E o idioma era feito de
gesso. E não esse plástico, e não

esse acrílico, que com a face
acabrunhada, me deixa rendido
diante da palavra-fantasma
com seu oculto e impiedoso

vão. O exótico que eu queria
dizer, o esdrúxulo, me parece
agora tão mecânico que eu
recorro a um poeta canônico.

A palavra então se alvoroça,
desiste de sua casca e com
um ar pernóstico e entediado
me cumprimenta sem nenhum

som



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Modigliani.

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