A taça de
sorvete quase aristocrática me lembra você.
A brasa
acesa no cigarro branco. O telefone pendente do gancho.
A taça é
de vidro. O cigarro, feito de papel. E o telefone, talvez, de plástico.
Você foi
embora num instante, ao contrário das longas epopeias que contava.
A última
vez que te vi, você tinha os cabelos presos num coque, as mãos já tão frágeis,
compridas e magras. E me contou a aventura que teve num dia em que saiu de
carro pela cidade, mas o que me recordo é de seu tom de voz rouco.
Antes, quando
visitamos sua irmã, minha tia Inês, você disse, em instinto premonitório “queria
te ver antes de morrer”, ainda sem saber da doença.
Na hora
da foto, você se recusou a aparecer, como de costume.
A agitação
de seus gestos, o coração quase sempre pulando da boca, inflamado pelas paixões
políticas e do esporte, parecia não aceitar a imobilidade que, ao eternizar,
congela os instantes.
Você permaneceu
de lado, olhando para nós, fumando seu cigarro, e eu retive na lembrança essa
imagem sem precisar da imagem.
Neste dia,
você estava fascinada pela vida, pralém da amargura e das mágoas.
Porém, o
que ficou de ti pra mim foram as histórias que meu pai me contava.
A Marisa
da infância que eu não conheci.
A criança
eternamente guardada no corpo da senhora com seu cigarro.
Minha tia
Mac que escrevia contos eróticos sob o véu de um pseudônimo.
Raphael Vidigal Aroeira
09/10/2023
5 comentários:
Que linda homenagem! Quanto carinho e sensibilidade…🌟🙏
Rapha meu sobrinho querido, você sempre me surpreende com seu talento,lendo o seu poema eu enxerguei exatamente como foi a cena.
Me comovi muito,tudo ficou muito real na minha mente,e as lágrimas desceram borrando a minha maquiagem.
Parabéns você temo dom de nós fazer voltar ao passado.
Beijos
Linda homenagem a pessoa tão especial e querida que foi Marisa.
Que linda mensagem para nossa querida Marisa!
Fiquei emocionada e com a certeza de que de
onde está ela a leu e se emocionou também.
Beijos com carinho,
Inês
Que lindo poema! Sensível e verdadeiro. Parabéns!!
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