na vida do vô chico
o tio
dudu nunca morreu
transporto-me
para esse tempo mítico
em que
não sou pai e ainda sou filho
encaro
meu tio e os olhos de menino
veem no
espelho
o fim e o
infinito
Raphael Vidigal Aroeira
na vida do vô chico
o tio
dudu nunca morreu
transporto-me
para esse tempo mítico
em que
não sou pai e ainda sou filho
encaro
meu tio e os olhos de menino
veem no
espelho
o fim e o
infinito
Raphael Vidigal Aroeira
A taça de
sorvete quase aristocrática me lembra você.
A brasa
acesa no cigarro branco. O telefone pendente do gancho.
A taça é
de vidro. O cigarro, feito de papel. E o telefone, talvez, de plástico.
Você foi
embora num instante, ao contrário das longas epopeias que contava.
A última
vez que te vi, você tinha os cabelos presos num coque, as mãos já tão frágeis,
compridas e magras. E me contou a aventura que teve num dia em que saiu de
carro pela cidade, mas o que me recordo é de seu tom de voz rouco.
Antes, quando
visitamos sua irmã, minha tia Inês, você disse, em instinto premonitório “queria
te ver antes de morrer”, ainda sem saber da doença.
Na hora
da foto, você se recusou a aparecer, como de costume.
A agitação
de seus gestos, o coração quase sempre pulando da boca, inflamado pelas paixões
políticas e do esporte, parecia não aceitar a imobilidade que, ao eternizar,
congela os instantes.
Você permaneceu
de lado, olhando para nós, fumando seu cigarro, e eu retive na lembrança essa
imagem sem precisar da imagem.
Neste dia,
você estava fascinada pela vida, pralém da amargura e das mágoas.
Porém, o
que ficou de ti pra mim foram as histórias que meu pai me contava.
A Marisa
da infância que eu não conheci.
A criança
eternamente guardada no corpo da senhora com seu cigarro.
Minha tia
Mac que escrevia contos eróticos sob o véu de um pseudônimo.
Raphael Vidigal Aroeira
09/10/2023
Como se
mede uma vida?
Pelo
número de dias?
Ou pela
quantidade de votos?
E se
esses votos forem votos de amor?
E se
esses dias forem traduzidos
em
sorrisos cheios de ternura e gestos de doação?
A vida é
uma estrela vermelha
que pulsa
como um coração infinito.
Porque
cada momento é eterno
e só o
instante existe.
Viver não
é numérico, é um ato político.
A
matemática da vida é um cálculo sensível.
Onde o
amor ultrapassa qualquer limite.
O amor ao
próximo. A sede de justiça.
A luta
feita na delicadeza
aberta
como uma flor ao meio-dia.
Canta o
vento. Gorjeiam os passarinhos.
Amigos de
São Francisco.
Ensinar
com afeto revoluciona o mundo.
É a
educação de Paulo Freire: sem medo de ser feliz.
Muito
obrigado, tio Dudu, camarada, companheiro, professor, mestre, irmão, pai,
filho, marido, numa única palavra, perene demais para o tempo, acima das
equações e dos teoremas: amor, de tantas e todas as maneiras.
Tudo isso
aprendemos contigo.
Ao
mestre, com carinho.
Pois se a
lição sabemos de cor,
Só nos
resta aprender.
Raphael Vidigal
16/09/2022
que
existe quando estou a seu lado.
Cada
sorriso do seu rosto guarda-me
como se a
vida fosse, para sempre, inevitável.
O mundo
fica simples, delicado e quente
à forma
da sua mão. A dor logo cicatriza,
o medo
esquece a solidão.
Eu te
tenho e você me tem como quem entrega
e não
possui.
Chove,
amanhece, uma flor nasce, o dia cai
e estamos
nós, cúmplices do orvalho e do calor.
Você come
jabuticabas com a alegria de quando te vi ao sol.
Mas não é
hora de quando. O tempo não existe mais.
Caso-me
contigo para abrir mais dias de eternidade, meu amor.
Raphael Vidigal
20/08/2022