Há no olho do homem a consciência da morte.
O pássaro voa no seu olho,
A cobra rasteja no seu olho,
A onça anda de quatro no seu olho,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da
morte.
Há no olho do homem a consciência da morte.
Vinicius escreve um soneto,
Tom Jobim uma melodia,
Burle Marx projeta um jardim,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da
morte.
Há no olho do homem a consciência da morte.
O circo chega à cidade,
Os pais acompanham os filhos pelos braços,
O vendedor de pipocas empurra seu carrinho e
oferece pipocas,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da
morte.
Há no olho do homem a consciência da morte.
Uma mulher se despe em frente ao espelho,
Apalpa os seios, confere as celulites, apalpa
a vagina,
Uma mulher se despe para o seu homem.
Mas ainda há no olho do homem,
E nos olhos de outros homens,
O que não há no olho do pássaro,
O que não está no rastejar da cobra,
O que não confere com as patas da onça,
Com o desenho de Burle, o soneto de Vinicius e
a música de Tom Jobim.
A
consciência da morte.
Felizmente há o circo e as pipocas.
Raphael Vidigal
Pintura: "Bailarina inclinada", de Edgar Degas.