sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Psicanálise do poema



o dilema do poema é não saber se rima
ou se aconselha.

o dilema do poema é não saber se é arte
ou se é devaneio.

o dilema do poema é não saber se veio para ficar
ou se será varrido para debaixo do tapete.

o dilema do poema é não saber se o papel é o seu lugar

ou a internet.

Raphael Vidigal

Imagem: obra de Leonilson.  

Sonho



no meu sonho ninguém interfere
eu posso ser gelo, fogo ou a Hebe.

no meu sonho ninguém mete o dedo
eu posso ser jovem, velho ou carbureto.

no meu sonho só eu tenho a pena

eu posso ser facho, som ou poema.

Raphael Vidigal

Litografia: "O sonho da razão produz monstros", de Goya. 

as aparências

          


          barba de molho
   pé de galinha pé de cabra
     não são o que parecem
       como porco e parca

Raphael Vidigal

Pintura: "Nu feminino deitado", de Egon Schiele. 

Labirinto



A prosopopeia deu vida à onomatopeia que não satisfeita transformou-se numa
   centopei

        ah!

Raphael Vidigal

Pintura: "Agricultores no jardim", de Klimt.  

Solidão



Gosto desse tempo em que ninguém me salva
           
                        Entre a madrugada
                                               e o nascer dos anjos.


Raphael Vidigal

Pintura: "Sopro de menino em brasa para acender uma vela", de El Greco. 

os últimos serão os do meio quando as tranças do rei careca assistirem à volta dos que não foram entre mortos e feridos salvaram-se todos


dedo de prosa
                       poesia de  roda

                                                pé

Raphael Vidigal

Pintura: "A Fonte", de Picasso. 

Qualé o som que a vaca faz?


Levar
            Ravel

            Era
                        (are)

            Um

                        Mu!

Raphael Vidigal

Pintura: "Opus 217", de Paul Signac.  

Autoajuda Millôriana


Autoajuda Millôriana: Nós não nascemos pontos! 

Raphael Vidigal

Pintura: "O periquito e a sereia", de Matisse. 

Dialética nacional


No Brasil a lenda (coisa profana e do demônio) tem reza.
Furacão (coisa sem corpo e sem pescoço – portanto sem sustentação) tem olho.
E a grama do nosso vizinho é sempre mais verde (não tem piolho).


Raphael Vidigal

Pintura: "Bananal", de Lasar Segall. 

Dom Quixote e São Francisco


Dom Quixote e São Francisco
Rodopiam sobre a minha casa.
Um dá pão, milho e água aos animais
O outro monta cavalo.

Dom Quixote e São Francisco
As glórias caem ao contrário.
No colo de uma estrela vaga
No bafo de um moinho falso.

Dom Quixote e São Francisco,
Cada qual com a sua loucura,
Um pelo inesperado Cristo,
O outro, por Dulcinéia, santa.

Dom Quixote e São Francisco
Na história de Miguel de Cervantes
Ou na Bíblia de tantos e tantos apóstolos
Eternizam-se nas palavras
Seja para curar os pecados
Ou para aliviar a ressaca.

Dom Quixote e São Francisco
Fantasio um de trapos podres
O outro crê em fantasmas,
Se a retórica me permite
Não sei qual é um qual é outro.

São Francisco e Dom Quixote
Rodopiam sobre a minha casa.
Um me serve poesia
O outro me bebe de prosa.


Raphael Vidigal

Pintura: "Palhaço tocando tambor", de Daumier. 

Bênção


Entrei para as estatísticas,
Sou mais um poeta
Que se sente uma formiga.

Raphael Vidigal

Pintura: "Composição 2", de Miró. 

a ordem dos joelhos altera o rebolado?


Toda época tem o poeta que merece.

Poeta fora de moda,
Poeta fora de época.

Poeta na hora do almoço,
Poeta de catequese.

Poeta que só faz rima,
Poeta que se diverte.

Nem sempre o poeta sobe,
Nem sempre o poema desce.

Mas toda época tem um poeta que se despreze.

Raphael Vidigal

Pintura: "Dança no Moulin Rouge", de Toulouse-Lautrec. 

Ginástica



a grana é curta

                  mas a vida alonga.


Raphael Vidigal

Pintura: "Mont Sainte-Victoire", de Cézanne. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

branco da página


quero uma arte sem capa, sem filtro, sem referência.
uma arte que se desfaça como purê de batata.
uma arte que se derreta como calda de chocolate.
uma arte que me sustente como vitamina de abacate.
e mais nada.


Raphael Vidigal

Pintura: "Nu", de Tarsila do Amaral. 

.


De vez em quando é bom chorar
                        Só pra aliviar
                                             o cansaço.

Raphael Vidigal

Pintura: "Mulher", de Wesley Duke Lee.  

Pirâmide


Só com resultados estéticos
Consegui um quadro perplexo.
Antes do término e do início
Estava escrevendo em fenício.

Só com resultados farmacêuticos
Consegui um quadro de apoplexia.
Depois do fim e da hemorragia
Estava escrevendo em reflexos.

Raphael Vidigal

Pintura: "Inverno e luva", de Paul Klee. 

Receita


Miasmas
Proparoxítonas
Duas muletas:
Junto todas numa compota.
Esfrego o que for de chaga,
Liberto o que for borboleta,
                                               E as desfilo
                                                                 obsoletas.


Raphael Vidigal

Pintura: "Ainda vida com maçãs e laranjas", de Cézzane. 

Malabarismo


Há no olho do homem a consciência da morte.
O pássaro voa no seu olho,
A cobra rasteja no seu olho,
A onça anda de quatro no seu olho,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da morte.

Há no olho do homem a consciência da morte.
Vinicius escreve um soneto,
Tom Jobim uma melodia,
Burle Marx projeta um jardim,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da morte.

Há no olho do homem a consciência da morte.
O circo chega à cidade,
Os pais acompanham os filhos pelos braços,
O vendedor de pipocas empurra seu carrinho e oferece pipocas,
Mas ainda há no olho do homem a consciência da morte.

Há no olho do homem a consciência da morte.
Uma mulher se despe em frente ao espelho,
Apalpa os seios, confere as celulites, apalpa a vagina,
Uma mulher se despe para o seu homem.
Mas ainda há no olho do homem,
E nos olhos de outros homens,
O que não há no olho do pássaro,
O que não está no rastejar da cobra,
O que não confere com as patas da onça,
Com o desenho de Burle, o soneto de Vinicius e a música de Tom Jobim.

       A consciência da morte.
Felizmente há o circo e as pipocas.

Raphael Vidigal

Pintura: "Bailarina inclinada", de Edgar Degas. 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Boca do Inferno


o céu da boca tem estrelas, lua e aftas,
o céu da boca espia para baixo
                                                      e vê um lindo prado,
montanhas e a faringite,
o céu da boca é algo muito afastado, e tão perto,
que nem deus sabe se é feito
                                                    de teto, de palha, fumaça,
é um estado periférico.

o céu da boca ás vezes é forma concreta
                                                                       ás vezes é só soneto.
o céu da boca em alguns mete medo,
                                                                     noutros pede clemência.

o céu da boca é entre o azul e o vermelho,
              é algo assim, amarelo.


Raphael Vidigal

Pintura: "Automático", de Edward Hopper. 

A velha a fiar


O espaço de manobra era pequeno
            para a ambição do poeta
    pois então ele juntou cheiro e cor
            e desenhou um soneto
        o soneto era inda pequeno
            para a ambição do poeta
    novamente ele juntou cheiro e água
            e construiu um escudo
  com o escudo enfrentou verbo e trova
            e escreveu um amuleto
     o amuleto era pertence do tempo
             Que defasou o poeta.


Raphael Vidigal

Pintura: "A Condição Humana", de Magritte.  

balbúrdia


um tumulto inclemente
            de poetas
  de pássaros
            de rãs

            um tumulto inclemente
                        dois coaxam
              três voam
                        três escrevem

              sobre pássaros, poetas e rãs.


Raphael Vidigal

Pintura: "Autorretrato com Bonito", de Frida Kahlo.  

Iglus


Unicórnio tem olho azul?


Raphael Vidigal

Pintura: "O Circo", de Marc Chagall.  

Caça


A lânguida ave sem nome pesca na beira do rio.
Pula um peixe em seu bico, pula e se espatifa.
Dentro do bico,
do papo,
da goela,
do pescoço,
Desce o peixe às entranhas, desce a ave sem nome ao fundo do rio,
Outro peixe se espatifa, outra carne rosa de proteína acalma a fome do bicho,
acontecido de vida.

Raphael Vidigal

Pintura: "Campo de trigo com corvos", de Van Gogh. 

V


É preciso estar à toa, à deriva, para que a
poesia
           pouse no teu nariz.


Raphael Vidigal

Imagem: obra do artista plástico Leonilson. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Gramática da horta (ou da aorta)


é nos entreveros que se descobre
quem nasceu couve-flor,
quem morreu hortelã.

Raphael Vidigal

Grafite: obra de Banksy. 


Conferência ou Tecnologia


A minha impressão
digital
é que estamos todos atrasados
(em termos de CAFÉ)
- expresso.


Raphael Vidigal

Pintura: "A Procissão Para O Calvário", de Pieter Bruegel, o Velho.