quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Dúvida


Quem chama por mim
Na tarde fria de um
setembro sem conversa?

Quem desafia a
Abandonar o que me resta...
Para ficar apenas com o que está por vir?

Quem sopra os clarins
ante a penumbra de um
Outubro sem promessa?

Quem me mutila as arestas...
e fica apenas com essa dor pedindo:
Cessa?  


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Cecily Brown.  

Torta


Os seios são
dois coelhos
Pulam inadvertidamente
sem saber que
Logo à frente
há um bolo
Com uma cereja
no meio
Lá vem a língua
amansar os coelhos
E acender de vez
o brilho dessa cereja
Vermelha


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Djanira da Motta e Silva. 

Fenda


Tornei-me triste
como o burro dos
Saltimbancos
como o
Quixote
sem os moinhos
de vento. Como
o leão do
Mágico de OZ
(à procura de um coração)
de borracha
Perdi a ilusão
Quando a morte avisou-me
da sua partida.
Tornei-me triste à espera
do milagre



Raphael Vidigal

Pintura: obra de Rosa Bonheur.

compêndio


O escritor
distante e subjetivo
Com sua trouxa de roupas para lavar
Não pega no sono, porque aflito
sabe o quanto sazonal é a vida


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Berthe Morisot.

Noite alta


A coberta nos dá a ilusão de Deus.
Como se estivéssemos protegidos
mesmo no calor, por uma mão invisível
e acolhedora. Quando nos damos conta
acordamos encharcados pelo suor de
uma natureza que apenas reage
ao espaço...


Raphael Vidigal

Pintura: obra de Sofonisba Anguissola.

Natureza viva


Até onde a vista alcança
Vejo a bunda da montanha
Espremidos pelas nuvens
Piscam seios feito melancias
Bem no centro da planície
A mata, aberta por dois dedos
Formiga como brinquedo...



Raphael Vidigal

Imagem: obra do arquiteto Gaudí.